Precisamos Falar Sobre Suicídio

“E aí, tudo bem com você?” Esse cumprimento é comum, porém, na correria do dia a dia, não percebemos que acabamos nos dirigindo muito mais ao outro, para saber como ele está, do que a nós mesmos. A pergunta que deveríamos fazer com mais frequência é a seguinte: E aqui, está tudo bem comigo? Você já se fez essa pergunta? Se sim, qual foi ou é a resposta?

O setembro amarelo traz como tema a prevenção ao suicídio  ou autoextermínio, conforme vigora atualmente. Mas como saber se de fato estamos nos prevenindo. Para ser mais exato, o que é ser saudável mentalmente? Basicamente é quando consigo lidar, me relacionar de forma equilibrada comigo mesmo e com os outros. Quando, apesar das adversidades, consigo estar em paz ou com o mínimo de sofrimento possível. Sou capaz de enfrentar situações estressantes, resolver os problemas reais sem ficar me preocupando de maneira improdutiva. 

Por exemplo: “posso ficar gravemente doente a qualquer momento”. Essa é uma preocupação improdutiva. Ou seja, uma preocupação que é inútil temer, pois não posso controlar, determinar quando, apesar de poder me prevenir, ficar ou não muito doente. Posso ficar muito doente a qualquer momento, não nego. Agora, qual a probabilidade disso? Como se vê, existe uma diferença entre ser possível e ser provável. Quando fico remoendo o tempo todo apenas a possibilidade, significa que não estou atento às probabilidades. Consequentemente subestimo os muitos recursos que poderia adotar contra essa preocupação a tornando produtiva, uma vez que a probabilidade de ficar gravemente doente repentinamente é baixa.

O melhor é se preocupar produtivamente e focar em se alimentar e dormir bem, fazer uma atividade física. Ah, mas eu não consigo dormir bem, não consigo comer direito e sou preguiçosa para fazer uma atividade física. Bom, se você diz isso porque lhe falta vontade é outro engano. Quantas coisas você queria muito fazer, sentia uma vontade enorme de fazer e acabou não fazendo apesar dessa vontade? Além do mais, o que é mais saudável, pensar que ficarei muito doente a qualquer momento ou que me cuidando é grande a probabilidade de isso não me acontecer tão cedo? E mesmo que porventura aconteça, saberei tolerar essa fase da melhor maneira possível? Quando não consigo pensar frequentemente dessa forma realisticamente otimista há indícios de que algo não vai bem comigo. Por outro lado, quando eu sei que, psicologicamente, não está tudo bem comigo e devo procurar ajuda?

Quando eu não estou mais conseguindo trabalhar direito, por exemplo. Meus pensamentos, em sua maioria, são pessimistas ou catastróficos. Estou desanimado a maior parte do tempo ou sinto meu coração disparar, as mãos suarem, as pernas tremerem só de pensar em ir trabalhar, ter de lidar com meu chefe, com os colegas de trabalho, com os clientes. Mesmo fora do ambiente de trabalho, receio ser criticado, rejeitado ou não ter a atenção até mesmo daquelas pessoas em que eu antes confiava. E isso tudo vem ocorrendo há semanas sem indícios de melhora. Esse é o momento.

E esses mesmos sintomas podem ser vistos em qualquer idade e em relação a qualquer área da vida. Estudo, namoro e até lazer. São sintomas de depressão, de ansiedade, de que se está marchando para algo mais grave, que, se não tratado a tempo, pode levar (eu disse pode, não que levará) à ideação suicida, o princípio do tortuoso caminho do suicídio.

Leia mais sobre a ansiedade em: https://www.cogniativo.com.br/2021/06/o-que-nos-torna-inseguros-sensacao-de.html

De início, para evitar essa trajetória, é bom e necessário diferenciar entre o que é real nessas dificuldades e o que é uma previsão pessimista, um pensamento disfuncional. Quando perco essa capacidade de diferenciação, toda situação se torna sinônimo de sofrimento. Por isso mesmo, cabe algumas colocações.

Leia mais sobre a depressão em: https://www.cogniativo.com.br/2020/11/depressao-comeco-meio-e-recomeco-texto.html

Muitas vezes temos algo real nos incomodando, como por exemplo uma perda. Ela pode ser a perda do emprego, de um parente, de um animal de estimação, de um projeto que não foi para frente. Contudo, outras vezes há algo imaginário nos causando um desconforto (real) de intensidades diversas. Mais precisamente há o medo de algo ameaçador que supomos que irá nos acontecer. Para ilustrar tal evento aversivo, basta nos atermos a alguém que tem o desejo de ser impecável, medo de não ter sido tão bom ou feito as coisas tão bem como supunha que deveria ter feito e por isso será criticada, punida. É o perfeccionismo perturbando. Ele é algo impossível de ser alcançado, sem contar que é inútil.

Leia mais sobre o perfeccionismo em: https://www.cogniativo.com.br/2020/10/como-nasce-o-perfeccionismo.html

Aí você me pergunta, por que pensamos, sentimos e agimos assim? Esses aspectos estão intimamente ligados ao que aprendemos na infância. Continuamos lidando com nossos problemas com os mesmos recursos daquela época, não percebemos que "amadurecemos". Nesse caso, uma contribuição importante é dada pelos pais, cuidadores ou pessoas com maior vínculo com a criança. Quando essas pessoas além de não satisfazer as necessidades emocionais básicas dessas crianças, ao se depararem com os pequenos em sofrimento, acabam por não serem um exemplo, não disponibilizam estratégias para essas crianças se proverem.

Para piorar, há pais que utilizam a crítica em excesso ou a superproteção  quando "passam a mão na cabeça" dessas crianças. Isso ocorre, pois esses pais têm as mesmas dificuldades que os seus pais tiveram. Não foram abastecidos com conhecimento suficiente para agirem diferente. Portanto, não é nada útil os culpar. Eles estão simplesmente passando para os filhos o que receberam dos pais.

Além de que, passar por uma infância nesses moldes, sequer minimamente saudáveis, não significa necessariamente ser um adulto com dificuldades em prover a própria saúde mental. Obviamente existem muitos outros fatores que interferem em nossa saúde mental. Se fosse os apresentar aqui, escreveria um livro inteiro.

Leia mais sobre os reflexos da rigidez ou superproteção na infância em: https://www.cogniativo.com.br/2021/11/ilusao-e-depressao-o-adulto-e-os.html

A despeito de ter ou não um bom suporte dos pais, cabe a essa criança, agora adulta, suprir essas carências, se valendo de ajuda profissional, se for o caso.

Desse modo, quando eu acho que não dou conta de lidar com problemas reais, pois eu os exagero, ou vejo a possibilidade de eles aparecerem a qualquer momento e eu ser incapaz de os enfrentar, está instalada uma ansiedade intensa. Meu corpo se prepara para enfrentar algo muito forte ou faz me ver com menos capacidade de os enfrentar do que realmente possuo. Como recurso, muitas vezes, crio estratégias compensatórias. Uma delas é que "se fujo, me sinto aliviado". Fugir me torna seguro, aliviado, ainda que momentaneamente. Mas me frustro e vou me sentindo inútil depois de agir daquela maneira.

Agindo assim frequentemente pode acontecer de essa pessoa se deprimir. Mais grave pode ser cair na cama achando que nada mais vale a pena. Mas o que não vale a pena é somente sua visão distorcida do mundo desde se julgar incapaz de lidar com as dificuldades até desistir de lidar com elas definitivamente.

O mundo não é perfeito, temos problemas, mas pode ter certeza que temos capacidade de os superar ou em último caso, meramente os aceitar. Nem tudo tem solução, mas tudo passa, se você os deixar ir, claro.

Aqui foram apenas algumas dicas de como levar uma vida com mais saúde mental, a fim de não darmos os primeiros passos no caminho da desistência da vida, para nos prevenirmos quanto a isso. Obviamente em alguns casos é necessário a ajuda de um profissional, seja psicólogo, psiquiatra. Também pode ser preciso o uso de medicação. Apesar de todo o preconceito que ainda existe, a medicação é fundamental em muitos casos. Além disso, pode ser necessário combinar psicólogo, psiquiatra e medicação para um melhor resultado.

 

Imagem: https://www.eventos20.com.br/setembro-amarelo-2022/ acesso em 07/09/2022

 

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