O Adulto e os Reflexos da Superproteção e/ou Rigidez na Sua Infância

 

A probabilidade de termos depressão seria reduzida drasticamente se não houvesse uma excessiva expectativa dos outros quanto a nós, de nós sobre nós mesmos e de nós quanto aos outros. Poderia até se denominar de ilusão essa nossa alta expectativa, pois, se por um lado, sem expectativa há o nada, a morte, não há motivo, uma motivação que nos leve em direção a algo; por outro, seu excesso nos conduz ao adoecimento. Resumidamente, é preciso equilíbrio entre a expectativa e a realidade daquilo que queremos, podemos e devemos ter ou ser. 

Comecemos por ela, a frustração. Muitos a confundem com insucesso, com fracasso. Por quê? Quando somos criados protegidos demais por nossos pais, fatalmente não aprendemos a lidar com as pressões inevitáveis do mundo. Desse modo, quando nos deparamos com um desejo, um objetivo não alcançado, corremos um risco grande de confundirmos a sensação de frustração com um fracasso total de nós mesmos. O que deveria ser estritamente relacionado ao que deu causa à frustração é considerado um fracasso nosso como pessoa. Isso porque provavelmente foi lhe dado como reforço que você era o bom filho, aquele que compreendia tudo, aceitava tudo sem reclamar e sempre fazia tudo perfeitamente e na hora exigida. Leia mais sobre o perfeccionismo em: https://www.cogniativo.com.br/2020/10/como-nasce-o-perfeccionismo.html.

Outro detalhe: se você recebia elogios mesmo quando não fazia o que lhe  era pedido ou era punido com um: “você tirou uma nota ruim em matemática, você não presta para nada mesmo” — ou revezava o recebimento desses tratamentos —,  fatalmente essa sua pressuposição de que deve ser perfeito e sempre agradável estará mais do que fundamentando sua crença central de “sou um fracasso”. Quando vem alguém e o desmente, como que diz que você falha sim, não dá conta de sempre ser o melhor e você acaba por ter que reclamar, pois, do contrário será aniquilado por si mesmo, você se frustra. Para uma pessoa criada nesses moldes descritos acima, é suficiente um alerta para fazer algo que lhe fora pedido e não fora feito até então para que ela sinta raiva, frustração, já que nem os pais a cobravam!

Como ninguém lhe ensinou a diferença entre seus sentimentos e as suas emoções, muito menos a nomear suas emoções, saber de fato o que é frustração e fracasso, raiva e ódio e como agir com maturidade diante delas, você fica confuso e se julga o pior dos seres humanos. A ideia sobre as pessoas serem todas perfeitas, apenas elas alcançarem aquele alto padrão determinado por todos os outros pais, foi por você absorvida como verdade. O problema é que essa sua ideia em relação aos outros não corresponde à realidade, visto que todos são passíveis de erros.

Com o tempo, a mera tristeza advinda da frustração passa a lhe encantoar, primeiro dizendo que não há como reagir, a crítica feita é correta e deve ser aceita, posteriormente proferindo que não vale a pena fazer algo contra ela, logo você é um peso em um mundo de pessoas perfeitas, deve mesmo é ficar fora do caminho delas. Contudo, isso é uma distorção, uma ilusão.

Sim, se trata mais de uma ilusão, a distorção de algo presente, do que de uma simples idealização. Ainda mais atualmente, nesse momento em que as mídias cada vez mais ditam um modelo de bem-estar estético, psicológico e patrimonial inatingíveis pela grande maioria de nós. A partir daí, ocorre que ficamos com essa ilusão de que podemos e devemos ser o que nossos pais estabeleceram. Estabeleceram, claro, com as melhores das intenções. Por outro lado, essa ilusão sobre o que julgamos que pensam de nós, a nossa ilusão sobre nós mesmos e os outros é o que torna grande a probabilidade de nos deprimirmos.

Então todo imaturo é deprimido? Não se trata disso, de trazer à baila e de modo pejorativo o termo imaturidade. Não pode se traduzir imaturo por infantil. Não mesmo. Sim, aquele que não teve meios, estratégias de se desenvolver, de obter artimanhas de se proteger, de se prover para prover o outro futuramente. Por isso, quando você perde ou não ganha e não possui meios de elaborar isso, termina por ruminar ser um fracasso, uma vez que não possui imunidade social contra essas instabilidades. Leia mais sobre imunidade social em: https://www.cogniativo.com.br/2021/02/a-imunidade-social-e-o-erro-de-ouvir.htmlQualquer acontecimento que arranhe sua imagem de ser perfeito representa fracasso. É um exagero? Digamos que se trata, mais uma vez, de distorção. E isso pode ocorrer ainda que ninguém lhe tenha apontado o erro, sua demasiada autocobrança é o bastante.

Mas, independentemente da idade, há sempre como inserir esses aspectos do ser maduro em nossas vidas. É necessário se desfazer da ilusão de querer agradar a todos e passar a simplesmente tratar bem as pessoas.  Conscientizar-se de que o erro em dado aspecto não pode ou deve ser generalizado para o meu todo. Que sou ruim mesmo em algumas coisas, mas muito bom em outras, por mais que acredite nessa ilusão derivada de meu passado. Que é necessário aceitar que ao começar algo, seja um trabalho, seja uma relação, simplesmente aprender um instrumento ou uma nova língua, vou muito mais errar do que acertar. A medida de meu desempenho é dada ao longo do tempo e sem a garantia de que, mesmo quando for bom, não mais serei exposto ao erro. Sim serei, e isso diz respeito a uma fração de cada um de nós mesmos, não ao nosso todo.

Para concluir, retomemos o tema da depressão. Ela é sempre sinal de que algo em mim ou em meu entorno não vai bem. Tal como, pode estar ligada a perdas e metas não alcançadas, sejam elas traçadas por mim ou por outras pessoas, como um chefe, parceiro afetivo, etc. Um dos fatores que nos predispõem à depressão é não possuir ou ter dificuldades em encontrar estratégias para encontrar soluções para esses contratempos. Eu disse um dos fatores, visto que eles são diversos, porém todos plenamente plausíveis de serem transformados em recursos para enfrentar um quadro depressivo. Uma vez desfeita a ilusão, seja de uma realidade sem imperfeições, seja, posteriormente, a ilusão de uma realidade distorcida pela depressão como sendo uma realidade hostil e impossível de ser modificada, é bem provável que você encontre o equilíbrio entre o que quer, pode e deve ter ou ser.

Imagem: https://casule.com/blog/pais-superprotetores-podem-impedir-o-desenvolvimento-dos-filhos/

 

Comentários

  1. Oi André! Através desta leitura, pude refletir o quanto é importante trabalhar desde a infância os aspectos emocionais. Desde pequena, a criança está em busca de sua satisfação imediata e cabe a nós responsáveis, mediar as situações para que a criança aprenda que em algum momento, poderá se frustrar. É através da sua vivência e da mediação recebida que aprendemos a lidar com as adversidades. Acredito que com esta conduta, crescerão pessoas bem resolvidas, que saberão agir em situações que lhe causem desconforto. Como vc disse: ter equilíbrio entre o que quer, pode e deve ter ou ser. O caminho é longo e estamos sempre aprendendo e nos aperfeiçoando!

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    1. Sim, Ju. E, atualmente, sem entrar no mérito de se é certo ou errado isso, a escola está como a maior responsável para ajudar a criança a trilhar esse caminho.

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