O Que São Pensamentos Automáticos?
O Pensamento Automático Nosso de Cada
Dia. Causas e Consequências
Os pensamentos nos acontecem independentemente
de nossa vontade. Fazem parte de nossa vida mental. É impossível não pensar.
Para exemplificar, vamos àquela velha máxima: “Não pense num elefante rosa! ”.
E você pensará exatamente no elefante rosa.
Se por um lado não conseguimos parar de
pensar, nem de controlar o que nos vem à cabeça; por outro, é possível que, com treino,
consigamos os avaliar de maneira mais realista e optar pela forma mais saudável
de os ver, até mesmo escolhendo se devo dar importância a esse ou àquele
pensamento. Para isso, precisamos entender um pouco sobre os pensamentos
automáticos.
Os pensamentos automáticos são um fluxo
de pensamentos que coexistem com um fluxo de pensamentos mais manifesto (Beck,
1964). Esses pensamentos não são peculiares unicamente a pessoas com sofrimento
psicológico; eles são uma experiência comum a todos nós. Na maior parte do
tempo, quase não temos consciência desses pensamentos, embora com um pouco de treino
possamos trazê-los facilmente à consciência. Quando obtemos a percepção dos
nossos pensamentos, podemos fazer automaticamente uma verificação da realidade,
caso não estejamos sofrendo de uma disfunção psicológica (BECK, Judith, 2014,
p. 150).
Os
pensamentos automáticos são como que a ponta do iceberg denominado modelo
cognitivo. Eles deixam à mostra o resultado de um processo que na realidade se
inicia em nossas crenças mais enraizadas. São essas crenças, que ficam bem
escondidas, que nos levam a pensar, a sentir e a agir dessa ou daquela maneira.
Em poucas palavras, o modelo cognitivo propõe que o pensamento disfuncional (que influencia o humor e o pensamento do paciente) é comum a todos os transtornos psicológicos. Quando as pessoas aprendem a avaliar seu pensamento de forma mais realista e adaptativa, elas obtêm uma melhora em seu estado emocional e no comportamento. Por exemplo, se você estivesse muito deprimido e emitisse alguns cheques sem fundos, poderia ter um pensamento automático, uma ideia que simplesmente apareceria em sua mente: “Eu não faço nada direito”. Esse pensamento poderia, então, conduzir a uma reação específica: você se sentiria triste (emoção) e se refugiaria na cama (comportamento). Se, então, examinasse a validade dessa ideia, poderia concluir que fez uma generalização e que, na verdade, você faz muitas coisas bem. Encarar a sua experiência a partir dessa nova perspectiva provavelmente faria você se sentir melhor e levaria a um comportamento mais funcional (BECK, Judith, 2014, p. 23).
Para que haja melhora duradoura no
humor e no comportamento do paciente, os terapeutas cognitivos trabalham em um
nível mais profundo de cognição: as crenças básicas do paciente sobre si mesmo,
seu mundo e as outras pessoas. A modificação das crenças disfuncionais
subjacentes produz uma mudança mais duradoura. Por exemplo, se você
continuamente subestima suas habilidades, pode ser que tenha uma crença
subjacente de incompetência. A modificação dessa crença geral (isto é, ver a si
mesmo de forma mais realista, como alguém que tem pontos fortes e pontos
fracos) pode alterar a sua percepção de situações específicas com que se
defronta diariamente. Você não terá mais tantos pensamentos com o tema: “Eu não
faço nada direito”. Em vez disso, em situações específicas em que comete erros,
você provavelmente pensará: “Eu não sou bom nisto
[tarefa específica]”. (BECK, Judith, 2014, p. 23).
Características dos Pensamentos
Automáticos
Um
leitor deste texto, por exemplo, enquanto está focado no conteúdo deste, poderá
ter o pensamento automático “Eu não entendo isto” e sentir-se um pouco ansioso.
Ele poderá, no entanto, responder automaticamente (isto é, sem estar consciente
disso) ao pensamento de uma forma produtiva: “Eu realmente entendo parte disto;
deixe-me apenas reler esta seção”.
Esse
tipo de teste automático da realidade e a resposta aos pensamentos negativos
são uma experiência comum. Pessoas em sofrimento, no entanto, podem não se
engajar nesse tipo de exame crítico. A terapia cognitivo-comportamental lhes
ensina o uso de ferramentas para avaliar seus pensamentos de forma consciente e
estruturada, especialmente quando estão perturbados.
Outa
pessoa, por exemplo, quando está lendo um capítulo sobre Economia, tem o mesmo
pensamento que o leitor mencionado: “Eu não entendo isto”. Entretanto, seu
pensamento torna-se mais extremo: “E nunca vou entender”. Ela aceita esses
pensamentos como corretos e sente-se muito triste. No entanto, após aprender as
ferramentas da terapia cognitivo-comportamental, ela consegue usar a emoção
negativa como um indício para procurar, identificar e avaliar seus pensamentos
e desenvolver uma resposta adaptativa: “Não é necessariamente verdade que eu
nunca vou entender isto. Estou tendo algumas dificuldades agora, mas se eu
reler ou retomar o estudo quando estiver com mais disposição, pode ser que
entenda mais. De qualquer forma, entender isto não é essencial para a minha
sobrevivência, e eu posso pedir que alguém me explique se for preciso”.
Embora
pareça que os pensamentos automáticos surjam espontaneamente, eles se tornam
bem previsíveis depois que as crenças subjacentes do paciente são
identificadas. Você está interessado em identificar esses pensamentos que são
disfuncionais – isto é, aqueles que distorcem a realidade, são emocionalmente
angustiantes e/ou interferem na capacidade do paciente de atingir seus
objetivos. Os pensamentos automáticos disfuncionais são quase sempre negativos,
a menos que o paciente seja maníaco ou hipomaníaco, tenha personalidade
narcisista ou abuse de substâncias químicas.
Os
pensamentos automáticos são geralmente muito breves, e o paciente torna-se mais
consciente da emoção que sente como resultado dos seus pensamentos do que dos
próprios pensamentos. Na sessão, por exemplo, o paciente poderá ter consciência
de que se sente ansioso, triste, irritado ou envergonhado, mas não tem
consciência dos seus pensamentos automáticos até que o terapeuta os questione.
As
emoções que o paciente sente estão conectadas logicamente ao conteúdo dos seus
pensamentos automáticos. Por exemplo, um paciente pensa “Eu sou um idiota. Eu
realmente não entendo o que todos [na reunião] estão dizendo” e sente-se
triste. Em outro momento, ele pensa “Ela [minha esposa] não gosta de mim” e
sente-se irritado. Quando tem os pensamentos “E se o meu empréstimo não for
aprovado? O que é que eu vou fazer?”, o paciente sente-se ansioso.
Os pensamentos automáticos
frequentemente estão na forma “abreviada”, mas podem ser facilmente explicitados
quando você pergunta sobre o significado do pensamento. Por exemplo, quando um
paciente teve o pensamento “Ah, não!”, o significado era: “[Meu chefe] vai me
dar muito trabalho”. “Droga!”, para outro paciente, foi a expressão da ideia:
“Eu fui um idiota por deixar meu telefone celular em casa”.
Os
pensamentos automáticos podem ser na forma verbal, forma visual (imagens) ou
ambas. Além do seu pensamento automático verbal (“Ah, não!”), o paciente
anterior tinha uma imagem de si mesmo, sozinho na sua mesa, tarde da noite,
calculando os impostos (BECK, Judith, 2014, p. 150-151).
Tipos de Pensamento Automático
Os pensamentos automáticos podem ser
avaliados de acordo com sua validade e
utilidade. O tipo mais comum de
pensamento automático é uma distorção, e ocorre apesar das evidências objetivas
em contrário. Alguém pensa: “Ninguém gosta de mim”, embora uma ou outra pessoa
tenha feito uma crítica ou criticado algum ponto sobre esse alguém. Um segundo tipo de pensamento automático
é correto, mas a conclusão a que alguém
chega pode ser distorcida. Por
exemplo, “Eu não fiz o que prometi [a um amigo]” é um pensamento válido, mas a
conclusão, “Portanto, sou uma pessoa ruim” não é.
Um
terceiro tipo de pensamento automático também é válido, mas
decididamente disfuncional. Por
exemplo, a pessoa estava estudando para um exame e pensou: “Vou levar horas para
terminar isto. Vou ficar acordada até as 3 horas da manhã”. Esse pensamento
era, sem dúvida, correto, mas ela aumentou sua ansiedade e diminuiu sua
concentração e motivação. Uma resposta razoável a esse pensamento abordaria a
sua utilidade: “É verdade que vou levar muito tempo para terminar isto, mas eu
consigo fazer; eu já fiz antes. Ficar pensando no tempo que vou levar me faz
sentir infeliz, e eu também não vou me concentrar. Provavelmente levará mais
tempo para terminar. É melhor que eu me concentre em terminar uma parte por vez
e reconhecer meu mérito por ter terminado”. A avaliação da validade e/ou
utilidade dos pensamentos automáticos e a resposta adaptativa a eles, em geral,
produzem uma mudança positiva no afeto (BECK, Judith, 2014, p. 151).
Origem
Mas de
onde surgem os pensamentos automáticos? O que faz uma pessoa interpretar uma
situação de modo diferente de outra? Por que a mesma pessoa pode interpretar um
evento idêntico de uma forma diferente de outra vez? A resposta tem a ver com
fenômenos cognitivos mais permanentes: as crenças.
No começo da infância, as crianças
desenvolvem determinadas ideias sobre si mesmas, sobre as outras pessoas e o
seu mundo. As suas crenças mais centrais, ou crenças nucleares, são
compreensões duradouras tão fundamentais e profundas que frequentemente não são
articuladas nem para si mesmo. A pessoa considera essas ideias como verdades
absolutas – é como as coisas “são” (Beck, 1987). Por exemplo, alguém que se
achou não inteligente para entender este texto, frequentemente tem uma
preocupação similar quando tem que se envolver em uma nova tarefa (p. ex., aprender
uma habilidade nova no computador, descobrir como montar uma estante de livros
ou pedir um empréstimo bancário). Ele parece ter a crença nuclear: “Eu sou
incompetente”. Pode ser que essa crença opere somente quando ele está em um
estado depressivo, ou pode ser ativada a maior parte do tempo. Quando essa
crença nuclear é ativada, ele interpreta as situações por meio das lentes da
sua crença, mesmo que a interpretação racional seja evidentemente inválida. Ele
tende a focar seletivamente nas informações que confirmam sua crença nuclear,
desconsiderando ou desvalorizando informações contrárias. Por exemplo, ele não
considerou que outras pessoas inteligentes e competentes poderiam não entender
completamente o material na sua primeira leitura, nem levou em consideração a
possibilidade de que o autor não tivesse apresentado o material adequadamente.
Ele não reconheceu que a sua dificuldade na compreensão poderia ser devida à
falta de concentração, em vez de falta de capacidade mental (BECK, Judith,
2014, p. 53).
Situações que Podem Evocar Pensamentos Automáticos
Os pensamentos automáticos geralmente estão associados a
acontecimentos externos (p. ex., falar com uma amiga) ou a um fluxo de
pensamentos (p. ex., pensar sobre a aproximação de uma prova), mas uma ampla
gama de estímulos externos e experiências internas pode fazer surgir
pensamentos automáticos. Os pacientes também podem ter pensamentos automáticos
em outras categorias. Eles podem ter pensamentos sobre suas cognições
(pensamentos, imagens, crenças, devaneios, sonhos, lembranças ou flashbacks),
suas emoções, seu comportamento ou sobre suas experiências fisiológicas ou
mentais. Qualquer um desses estímulos pode gerar um pensamento automático
inicial (ou uma série de pensamentos automáticos), seguido de uma reação
emocional, comportamental e/ou fisiológica inicial. O paciente poderá ter,
então, pensamentos adicionais sobre alguma parte do modelo cognitivo, levando a
uma reação emocional, comportamental e/ou fisiológica adicional (BECK, Judith,
2014, p. 162).
Meramente perguntar sobre imagens, mesmo
que seja repetidamente, por vezes não é suficiente para evocá-las. As imagens
costumam ser muito breves e com frequência são perturbadoras; muitos pacientes
tiram-nas da cabeça muito rapidamente. A falha em identificar e responder a
imagens perturbadoras poderá resultar em sofrimento constante para o paciente (BECK,
Judith, 2014, p. 127).
Desse modo, para que possamos sentir e
agir de forma mais saudável é necessário entendermos melhor o motivo de
pensarmos como pensamos, já que nosso modo de pensar pode nos levar a quem
realmente somos, por que nos tornamos quem somos e nos ajudar a ser quem
queremos nos tornar.
Referência
BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-comportamental. Teoria e
Prática. Ed. Artmed. 2014 (com adaptações).
Imagem: https://pt.slideshare.net/SamirOliveira4/identificando-pensamentos-automticos
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