Falar e Agir de Acordo Com o Que Sente ou Pensa

 

Muitas pessoas chegam até mim, seja no consultório ou no dia a dia, numa conversa informal, e me perguntam por que elas não conseguem pôr para fora aquilo que estão sentindo ou pensando, a fim de agirem de uma forma mais honesta consigo mesmas e com os outros. De uma maneira mais saudável, enfim. Que muitas vezes só externam aquilo que desejam ou precisam quando explodem.

Por que isso acontece?

Dentre outras coisas, essa dificuldade pode ser consequência de uma educação rígida na infância, pais que também não falavam de si mesmos ou ainda pais que permitiam de tudo, nunca diziam não, e o filho nunca se angustiava, jamais teve que negociar algo, esperar. Agora, já adulto, necessita de demonstrar afeto para ter afeto em troca, precisa esperar a vez, ou até garantir a sua vez, e principalmente dizer que não gostou de algo, mas sem ser grosseiro, sem ser violento.

Pode ser que essa pessoa não aprendera a falar, não sabe dizer não, porque os pais não permitiam. Simplesmente mandavam calar a boca. E comportamento não surge espontaneamente, é construído, aprendido.

O problema é que vão adiando, adiando essa necessidade de falar, de agir, vão segurando até que explodem. Isso quando não se deprimem de tanto “engolir sapo”. E é somente aí quando se percebe que falta habilidades psicológicas, principalmente de cunho social. Embora outras tantas habilidades psicológicas estejam faltando, ainda que em menor grau e intensidade.

Se se tratasse de uma pessoa, realmente, sem limites, que falava o que vinha à cabeça, pode ser que por isso mesmo ela tenha sido frequentemente punida, rejeitada por outras pessoas. Dessa maneira, aprendeu que se falasse seria punida, e que se falar agora, mesmo em tom ameno, terá a mesma punição, mesmo que a probabilidade de essa punição acontecer seja bem baixo, fora da realidade.

Tanto no caso de pais inflexíveis quanto no de permissivos, o resultado será de déficits ou de excessos. Medo com esquiva ou raiva com oposição.

Para entendermos melhor, nossa ansiedade é construída no passado, embora eu a sinta ao projetar algo para o futuro, esse temor foi aprendido lá atrás. Se não foi isso, talvez você esteja convivendo de fato com pessoas abusivas, aversivas. E aí caberá a você ou a mudar o ambiente, como responde a esse ambiente, ou mudar de ambiente.

O que pode se fazer agora?

Se o pensamento é o de que, quando, por exemplo, a pessoa chegar e pedir um produto no setor de frios de um mercado será tratada grosseiramente pelo atendente, ou de que ela vai gaguejar e o atendente e as pessoas à volta vão rir dessa pessoa, se deve questionar esse pensamento. Que evidência a favor eu tenho de que o que penso é um fato, que evidências contra esse pensamento eu tenho. E se for alta a probabilidade de o atendente me tratar mal, que resposta devo lhe dar? Ele está lá para atender a todos bem, é o dever dele, e é um direito daquela pessoa que vai lhe solicitar algo ser bem tratada. Outra possibilidade de resposta, seria essa pessoa rir da situação de gaguejar. Qual era melhor, rir e apanhar seu produto ou sair com raiva e triste consigo mesma?

E é muito importante que os pais não reforcem esse comportamento de evitar algo, de não se expor o filho. Mesmo que haja desconforto, os pais não devem aceitar a ideia de o filho ficar em casa, voltar da escola para casa após um desconforto, birra, não querer apresentar o trabalho na frente da sala.

Outro ponto relevante é não ser agressivo na resposta, nem passivo, ser assertivo. Mandar o atendente para aquele lugar ao ter uma resposta atravessada dele é ser agressivo, sair dali engolindo o choro é ser passivo. Perguntar se ele está com algum problema ou se aquele seu tratamento é realmente necessário, é ser assertivo.

Em um outro momento falarei sobre autorregulação emocional: assertividade, exposição imaginária e exposição in vivo, também mais sobre esse assunto, que abarca a imunidade social.

Agora, pode ser que você esteja merecendo esse tratamento, de fato. Quem sabe você realmente não está sendo invasivo, chato ou, como diriam, sem noção, sem limite.

Independentemente, disso, uma das coisas que muitas vezes está por trás desse medo de falar, pensar e agir é a autoestima. Algumas pessoas dizem não ter direito de ser bem tratadas por se acharem feias, burras ou sem valor. Portanto, antes de tudo, é necessário salientar que não se deve basear a autoestima apenas nos aspectos estéticos, ligado a uma imagem, que muitas vezes é inacessível. Mas também, e principalmente, em atributos como ética, empatia e tolerância. Não é à toa que temos tantas pessoas bonitas e bem-sucedidas sozinhas. Por que será?

O que poderia ter sido feito na época?

Orientação da criança por meio dos pais e com ajuda da escola, dos avós e quem mais estivesse diretamente envolvido com o desenvolvimento da criança. Aqui entraria a importância de não permitir nem proibir (ou coibir) tudo. A importância do equilíbrio, da conversa, em vez da extrema vigilância ou da negligência. Era primordial dar exemplo, mostrar como no lugar de apenas exigir, ou seja, “faça o que eu falo não faça o que eu faço”. Isso não funciona. Ensinar e dar tempo, esperar a maturação, confiar, não querer controlar.

Para começar a pôr em prática, num exercício simples, passe a anotar o que você queria ter dito/feito em dada ocasião e o motivo de não ter dito/feito. “Reedite” aquela situação. O funcionário que, apesar de não poder/querer fazer extra, diz sim por medo de ser mandato embora por não se achar um bom funcionário. Ou aquela pessoa que não diz não para alguém que sempre a procura apenas na hora que precisa, por medo de ficar sozinho, perder amigos. Para começar a dizer não, tente pedir um prazo para dar a resposta. ‘Será que posso pensar até à tarde, até amanhã?’

Mas voltemos ao pensamento de que você seria criticado, ririam de você no mercado. O quanto era provável de esse motivo ter se tornado fato. O quanto você pensou que ocorreria em outras ocasiões correspondeu ao que aconteceu? Quais as vantagens de continuar pensando, agindo e sentindo assim? Quais as desvantagens. Qual outra maneira de pensar aquela situação? E, claro, faça essa reflexão no agora, visualizando o futuro. Treinar, ensaiar o pedido e prevenir quanto a resposta que essa pessoa teria dado, voltando à situação do mercado. Mas pode se ensaiar outras situações, seja com o seu parceiro, com seu filho, com seu amigo, na sala de aula, em qualquer contexto.

Aos poucos, é muito provável que você deixe de acreditar nos seus pensamentos disfuncionais e confie mais em algo concreto, e que mesmo que seja problemático, você consiga obter saídas para isso. E se não houver saída, aceite com mais serenidade o problema, porém, e o que mais importa, fale sobre ele.

Imagem: Disponível em: https://www.psiquiatraportoalegre.com.br/tratamento-de-fobia-social/. Acesso em 07 jul 2022

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