Depressão: Começo, Meio e Recomeço

   

          Você realmente sabe o que é a depressão? Suas causas e consequências? E os meios de preveni-la? É possível evitar que se entre em depressão? Se sim, como?       

O Brasil, segundo dados da (OMS), é o país com maior número de casos de depressão na América Latina, 5,8% da população brasileira tem depressão (PAHO, 2017), porém o número pode ser maior, isso porque o preconceito e a resistência em procurar ajuda ainda existem e resistem. Se, por um lado, ainda há obstáculos para se chegar ao tratamento; por outro, há empecilhos para diagnosticar e tratar a doença. Isso ocorre porque a depressão implica em múltiplos fatores, não se traduz apenas por tristeza. Sequer o que causa a depressão nessa pessoa é o que causa naquela.

E em se tratando de causas, Leahy (2015) cita o psicólogo Jean Twenge (2002), o qual fala das descobertas sobre os aumentos da depressão nas últimas cinco décadas, que elas se dão por fatores como o individualismo e a perda da conexão social. Hoje se tem 26% das casas com pessoas vivendo sozinhas, no século XIX isso era raro (LEAHY, 2015)

O começo

Essa complexidade da depressão vem de fatores biológicos, como a saúde e a genética, psicológicos, englobando a personalidade, e os socioculturais, que dizem respeito às interações familiares, escola e terceiros. Talvez, por essa combinação de fatores nessas três áreas, seus sintomas sejam diferentes, podendo se relacionar a diferentes características clínicas, o que faz com que se apresentarem de formas diversas em cada pessoa. A causa da depressão em uma pessoa nunca é igual à de outra. Dessa forma, a medicação empregada, aparentemente, muitas vezes possui um efeito placebo, e isso pode abranger do mesmo modo os resultados de uma psicoterapia. Ainda sobre os sintomas, eles podem se apresentar uma vez apenas ou reaparecerem ao longo da vida. As suas intensidades e quantidades podem ser classificadas em leve, moderada ou grave (BAPTISTA, 2018).

O que desencadeia a depressão?

Os chamados gatilhos podem vir de um emprego estressante ou sem sentido, que reduza nosso autocontrole e acabe interferindo no sono e no humor. Tal como notícias ou eventos ruins e inesperados, como perda de algum parente ou divórcio, para uma pessoa de humor instável, podem bastar para gerar sintomas intensos que se tornem frequentes e duradouros, necessários para o diagnóstico da depressão.

Uma explicação da neurociência

O desamparo aprendido, ponto de partida para compreensão da depressão, tem origem em uma “região” do cérebro denominada Núcleo Dorsal da Rafe, que secreta e envia serotonina à Substância Cinzenta Periaqueductal, a qual é inibida, ocorrendo a passividade. Quando o NDR envia serotonina às Amígdalas, as excita, faz com que fiquem mais ligadas, aumentando a ansiedade. Mas o que ativa o Núcleo Dorsal da Rafe? Uma situação difícil, dolorosa, como o divórcio, perda de emprego ou de algum ente querido. Então porque tem gente que passa por essas situações, mas apesar disso não se torna passivo? Pois tem uma coisa que inibe essa atividade, que impede esse circuito de funcionar: é a sensação de controle. Quando o cérebro detecta que nós temos controle de dada situação, detecção realizada pelo Córtex Pré-frontal Ventromedial, este envia sinais para o Núcleo da Rafe. De modo que esses sinais são inibitórios, eles desligam o NDR e o sistema de desamparo aprendido não é ativado. Daí a importância de treinar o cérebro a inibir esse sistema da Rafe, mudando a maneira de ver o que nos acontece, controlar o que é possível e deixar de lado aquilo que não podemos controlar (CALABREZ, 2020).

O Meio

O Modelo Cognitivo da Depressão

Para entendermos melhor o modo de funcionar de alguém deprimido, é fundamental compreendermos o modelo cognitivo de Beck para a depressão. Tal implica basicamente na tríade cognitiva e nas distorções cognitivas. A tríade cognitiva se baseia na visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro. Alguém pode se perceber como inadequado ou inapto, “Sou muito desagradável para que gostem de mim”. Na visão negativa do mundo, que alcança relações afetivas, profissionais e sociais, a pessoa pode pensar “Ninguém gosta do meu trabalho”. Por fim, a visão negativa sobre o futuro, provavelmente está cognitivamente atrelada à falta de esperança. Pensamentos como o de que “Independente do que eu faça, nada vai mudar”, “Jamais vou conseguir ser feliz”, são próprios dessa visão. O problema piora quando esses pensamentos se juntam à ideação suicida, ao ver a morte como único meio de aliviar o sofrimento e a dor psicológicos tidos como insuportáveis (POWELL et al, 2008).

Melhor explicando o porquê e como isso ocorre, Powell et al (2008) explicam que a pessoa deprimida organiza de modo negativo sua vida, além de precipitar para seus problemas conclusões nada favoráveis.

Por exemplo, você teme ir à festa, porque acha sua conversa chata, lá vão rir de você. Você inventa uma desculpa e não vai. Consequentemente sente alívio da ansiedade, pois evita ser criticado na festa. Mas a recusa dos convites faz com que não o convidem mais, e você confirma sua crença de ser inadequado.

Desse modo, ainda de acordo com Powell et al (2008), os acontecimentos e as possibilidades agem como estimuladores de comportamentos depressivos, que confirmam, depois de uma nova interpretação por essa pessoa, os sentimentos de inadequação, baixa autoestima e falta de esperança.

O Papel das Distorções Cognitivas

Outro ponto que deve ser considerado e que impulsiona a depressão é o das distorções cognitivas. Elas são primordiais na depressão, pois causam erros em nossa forma de captar os fatos e os processar. O deprimido está inclinado a compor num formato absolutista e inflexível suas vivências, o que o leva a erroneamente julgar sua performance e sua avalição das situações à sua volta (POWELL et al, 2008).

Vamos a elas.

O Pensamento do tipo tudo ou nada (também chamado de pensamento em branco e preto, polarizado ou dicotômico): Você enxerga uma situação em apenas duas categorias em vez de em um continuum. Exemplo: “Se eu não for um sucesso total, eu sou um fracasso.”

Catastrofização (também chamado de adivinhação): Você prevê negativamente o futuro sem levar em consideração outros resultados mais prováveis. Exemplo: “Eu vou ficar muito perturbada. Eu não vou conseguir trabalhar.”

Desqualificar ou desconsiderar o positivo: Você diz a si mesmo, irracionalmente, que as experiências positivas, realizações ou qualidades não contam. Exemplo: “Eu realizei bem aquele projeto, mas isso não significa que eu sou competente; só tive sorte.”

Raciocínio emocional: Você acha que algo deve ser verdade porque você “sentiu” intensamente (na verdade, acreditou), ignorando ou desvalorizando as evidências em contrário. Exemplo: “No trabalho, eu sei fazer bem muitas coisas, mas eu ainda me sinto um fracasso.”

Rotulação: Você coloca em você ou nos outros um rótulo fixo e global sem considerar que as evidências possam levar mais razoavelmente a uma conclusão menos desastrosa. Exemplo: “Eu sou um perdedor. Ele não é bom.”

Magnificação/Minimização: Quando você se avalia ou avalia outra pessoa ou uma situação, você irracionalmente magnifica o lado negativo e/ou minimiza o positivo. Exemplo: “Receber uma avaliação medíocre prova o quanto eu sou inadequado. Tirar notas altas não significa que eu seja inteligente.”

Filtro mental (também chamado de abstração seletiva): Você dá uma atenção indevida a um detalhe negativo em vez de ver a situação como um todo. Exemplo: “Como eu tirei uma nota baixa na minha avaliação [que também continha várias notas altas], significa que eu estou fazendo um trabalho malfeito.”

Leitura mental: Você acredita que sabe o que os outros estão pensando, não levando em consideração outras possibilidades muito mais prováveis. Exemplo: “Ele acha que eu não sei nada sobre este projeto.”

Supergeneralização: Você tira uma conclusão negativa radical que vai muito além da situação atual. Exemplo: “[Como eu me senti desconfortável na reunião], eu não tenho as condições necessárias para fazer amigos.”

Personalização: Você acredita que os outros estão agindo de forma negativa por sua causa, sem considerar explicações mais plausíveis para tais comportamentos. Exemplo: “O encanador foi rude comigo porque eu fiz alguma coisa errada.”

Afirmações com “deveria” e “tenho que” (também chamados de imperativos): Você tem uma ideia fixa precisa de como você e os outros devem se comportar e hipervaloriza o quão ruim será se essas expectativas não forem correspondidas. Exemplo: “É terrível eu ter cometido um erro. Eu sempre deveria dar o melhor de mim.”

Visão em túnel: Você enxerga apenas os aspectos negativos de uma situação. Exemplo: “O professor do meu filho não faz nada direito. Ele é crítico, insensível e ensina mal.” (BECK, 2015, p. 204).

Como surgem essas distorções?

Essas distorções decorrem de regras e suposições que vamos construindo desde a infância e que se solidificam com o tempo. O estresse pode ativar essas regras e pressupostos, uma vez que elas são sensíveis a ele, mas, como se pode notar, são táticas sem eficácia (BAPTISTA, 2018).

Exemplificando o manejo dessas distorções:

TERAPEUTA: Então uma coisa que faremos juntas será avaliar pensamentos como esse. Quais as evidências de que você é um fracasso? Alguma evidência de que você não é um fracasso? Existe outra forma de olhar para essa situação, por exemplo, que você está deprimida e precisa de ajuda na solução dos problemas, mas que isso não significa que você é um fracasso?

PACIENTE: Hummm.

TERAPEUTA: Então nós iremos mudar o seu pensamento depressivo e ansioso para torná-lo mais realista, e descobriremos soluções para os seus problemas, as quais você vai experimentar durante a semana. E você aprenderá habilidades que poderá usar pelo resto da sua vida, de modo que possa continuar a resolver os seus problemas, pensar mais realisticamente e agir de forma a conseguir seus objetivos. [solicitando feedback] Como isso soa para você?

PACIENTE: Faz sentido (BECK, 2015, p. 80).

E de tanto acreditar e se comportar com base em suas distorções, o deprimido pode chegar ao ponto de concluir que nada na sua vida mudará, independente do que ele faça (desamparo aprendido). Assim sendo, ele gradativamente vai se recolhendo. Atividades, antes simples, como limpar a casa, arrumar a própria cama ou tomar banho se tornam pesadas demais, e literalmente a pessoa deprimida sente o corpo pesado. Ele não mais consegue fazê-las. Embora seja incapaz de ver outras possibilidades, elas existem.

O Recomeço

O Papel do Psicólogo

Na depressão, a terapia tem como objetivo ajudar os pacientes a modificarem o modo como pensam e (re)agem, em função de suas crenças, pois o seu humor é consequência de como veem as coisas, não necessariamente como elas são. E esse processo terapêutico se dá em três fases:

1) foco nos pensamentos automáticos e esquemas depressogênicos;

2) foco no estilo da pessoa relacionar-se com outros; e

3) mudança de comportamentos a fim de obter melhor enfrentamento da situação problema (POWEL et al, 2008)

Os autores ainda explicam que o paciente participa ativamente desse processo. O terapeuta o auxilia a identificar suas distorções cognitivas, reconhecer pensamentos disfuncionais e encontrar pensamentos mais realistas, buscar evidências que fundamentem os pensamentos disfuncionais e os alternativos, originar pensamentos apurados e passíveis de credibilidade e relacionados a dadas circunstâncias. Tal processo diz respeito à reestruturação cognitiva.

De acordo com Beck (2015), a explicação de como os pensamentos causam sentimentos pode surgir de um questionamento direto feito pelo psicólogo, por exemplo, “o que você pensou precisamente naquela ocasião?” ou “o que está passando por sua mente nesse momento?”, ao perceber mudança de humor no paciente, pode se recorrer à seguinte tabela com duas colunas paralelas: 1) Eu penso nisso...; 2) Por isso, sinto... É possível que no início haja dificuldade de a preencher, de forma correta pensamentos e sentimentos, o que exige ajuda do terapeuta.

É possível evitar a instalação da depressão?

Sim, porém é necessário que todos aqueles fatores trazidos no início sejam minimizados, manejados, além da contribuição de uma educação ou criação sem negligência ou rigidez, boas relações na escola e no meio profissional e a aprendizagem de como focar no modo de ver o que nos acontece em vez de focar no que nos acontece. Sem contar que atividade física regular, dormir bem e uma boa alimentação são fundamentais no tratamento e em sua prevenção. Mas se a depressão foi diagnosticada, tudo o que foi informado e proposto até aqui deve ser posto em prática, em companhia de um profissional, claro, e sempre aliado à prevenção de recaídas.

Prevenção de recaídas

Esse é um trabalho realizado nas últimas sessões, é um recurso utilizado para enfrentar novas situações que tragam perdas e na adaptação a novas experiências problemáticas (POWELL et al, 2008)

Em vez de considerar a modificação de crenças disfuncionais como o recurso de prevenção de recaídas, propõe-se que os pensamentos e sentimentos negativos são vivenciados como eventos mentais e não como expressão da realidade. À medida que o paciente evolui em seu quadro depressivo, ele passa a não aceitar automaticamente os pensamentos negativos. Esta hipótese, ainda em investigação, parece ser bastante útil como base racional para explicar o sucesso alcançado na prevenção de recaídas (BAPTISTA, 2018, p. 77)

De acordo com Robert L. Leahy.

Com tratamento eficaz, você pode vencer a depressão – e, depois disso, tem uma boa chance de prevenir a sua recorrência. Novas técnicas de autoajuda podem auxiliá-lo a reverter seu pensamento negativo e seu doloroso e triste humor. Isso não é fácil. Requer trabalho da sua parte (LEAHY, 2015, p. 13).

            Desse modo, fica claro que os modos para trabalhar a depressão, seja qual o seu grau, são muitos. Embora o trabalho seja árduo, é possível, por meio de novos olhares, tornar o mundo um lugar mais agradável, ter mais esperança no futuro e ser menos rígido consigo mesmo, mais realista em pensar e agir para ser cada vez mais psicologicamente saudável.

Nota: As informações e sugestões contidas neste artigo têm caráter meramente informativo. Elas não substituem o aconselhamento e acompanhamentos de especialistas.

Sugestão: artigo sobre o perfeccionismo. https://www.cogniativo.com.br/2020/10/como-nasce-o-perfeccionismo.html

Referências

BAPTISTA, Makilim Nunes. Avaliando "depressões": dos critérios diagnósticos às escalas psicométricas. Revista Avaliação Psicológica. v.17 n.3. 2018.

BECK, Judith S. Terapia Cognitiva Teoria e Prática. Ed. Artmed, 2015

CALABREZ, Pedro. Projeto Autoconhecimento e Transformação, Canal Neurovox, 2020.

Organização pan-americana da Saúde (PAS) e  Organização mundial da saúde (OMS), 2017. Disponível em: https://www.paho.org/pt/brasil. Acesso em 11 nov. 2020.

POWELL, Vania Bitencourt; ABREU,  Neander; OLIVEIRA, Arismar Reis de Oliveira; SUDAK Donna. Terapia cognitivo-comportamental da depressão. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2008.

Imagem: Critical Care. disponível em: https://criticalcare2017.com.br/sinais-de-alerta-de-depressao-severa/. acesso em 28 nov. 2020.

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