Redes Sociais: Mal ou Bem Necessário?
O filme Matrix, realizado no
final dos anos 1990, é uma narrativa sobre as pessoas não terem controle sobre
suas vidas, na verdade são controladas por uma inteligência artificial. Pode-se
fazer uma analogia, explícita no próprio filme, quanto a um estar consciente
dentro de seu sonho e pouco poder fazer para despertar.
Contrariamente, em nossa
sociedade atual, ocorre — tamanho é o medo de perder o controle — a tentativa de obter um controle que deve ser exercido sobre todas as coisas. De modo que muitos
terminam por se empenharem em controlar a irrealidade, o inevitável e
incontrolável, aquilo que nos escapa e definitivamente não se pode, não se
consegue — ou nem se quer — mudar, como a velhice, a morte, os erros e os
defeitos. Tal como, empenha-se em controlar a realidade por meio do virtual.
Talvez por medo de dar de cara com a impopularidade, aquilo que os leve à
autorrejeição. O artificial é criado e controlado pelo real, sendo que a
diferença aqui é que se tem consciência, discernimento entre o que é a fantasia
desejada e o que é a realidade negada. Ou seria o real é criado pelo
artificial, virtual?
O resultado é que se passa a
viver a fábula de tal forma, que a realidade perde seu sentido, sua utilidade,
ainda que o presente esteja presente. Então trata-se de uma droga? Talvez, mas
isso, por mais absurdo que pareça, não é o mais relevante, já que seus efeitos pendem mais para a construção de um novo homem, inserido em um novo meio
social habitado pelos seus desejos e sintomas, não por seus comportamentos e
atitudes. Não se deve confundir aqui, os papéis sociais, tão essenciais à saudável socialização. “Somos”, de fato, uma pessoa no trabalho, outra nos
estudos, outra em casa. Não se trata disso, pois essa construção do novo eu
virtual também tem seus papéis, obviamente criados e piamente confiados como
verdadeiros.
Por outro lado, o que mais
preocupa é a falta de consciência sobre esse novo modo de vivenciar as
relações. E essa minha reflexão não é de hoje. Há alguns anos, minha mãe dissera
que eu estava sumido. Eu lhe retruquei afavelmente que fora visitá-la na semana anterior.
Ela insistiu que eu entrava pouco numa determinada rede social. Mas o pior foi perceber que
alguns de meus amigos e conhecidos já haviam feito aquela mesma objeção, para
não dizer reclamação. Eu não tinha visto a postagem de fulano? As fotos de
sicrano? Resumidamente: embora eu estivesse trabalhando e me relacionando com
colegas de trabalho, amigos de sala da faculdade, eu estava fora do novo mundo
virtual, eu era quem estava desaparecendo!
Podemos supor que as curtidas,
as postagens, as respostas para essas postagens trazem uma sensação não apenas
de estar conectado com o mundo, mas de pertencer a esse grupo como membro
efetivo, ao passo que se tem a falsa percepção de que se reduz a solidão e se eleva a autoestima. Não, não vejo
necessidade de se inserir no metaverso, "estamos sendo" ele.
A Dra. Stephanie Tobin, da
Universidade de Queensland, realizou um estudo onde duas ameaças ao senso de
pertencimento ligadas ao Facebook foram analisadas. O resultado revelou que
estar on-line traz aos membros uma percepção de estar conectado. Havia dois
grupos sendo estudados: num deles, os usuários habitualmente postavam no
Facebook ao passo que no outro, os usuários apenas observavam o que os amigos
postavam. Concluiu-se com isso que os usuários que por dois dias apenas
observaram tiveram uma percepção negativa em seu bem-estar social. Tal como, a
falta de curtidas, mensagens de feedback impactaram negativamente em suas
autoestimas e bem-estar social.
Aqueles que usam as redes
sociais prezam por curtidas, comentários em suas postagens, porém é necessário
reservar um tempo para investir em conversas no face a face, pois, do contrário,
como indicam os resultados da pesquisa, se não há feedback das postagens,
compartilhamentos, não há inclusão, não se pertence à (aquela) sociedade.
Estímulos levam a
compartilhamentos
Se pararmos para pensar, vemos que postagens permeadas por raiva, sarcasmo e consternação são as
mais compartilhadas, visto que nosso sistema nervoso é prioritariamente ativado
por essas postagens com alta carga emocional. Jonah Berger, traz em seu estudo
que tais postagens compartilhadas sejam uma forma de nos aliviar esse estado
emocional. Fica evidenciado aqui que conteúdos recheados de emoção serão mais
facilmente compartilhados. O que significa isso? Que aquele que tem dificuldade
em lidar com suas emoções na vida real por medo de retaliações ou mesmo por
receio de não ser notado, nas redes sociais, eventualmente receberá mais
reforço que punição, o que poderá manter seus comportamentos de se expor, estritamente, no mundo virtual. Aí você pergunta, isso é totalmente ruim?
Tire suas próprias conclusões. Muitas vezes quem curte ou comenta a postagem “sentimental”, na realidade apenas troca likes, e o pior, com o tempo as curtidas vão perdendo seu efeito para a pessoa que postou. Assim sendo, a mídia social cada vez menos deve ganhar espaço como ferramenta que substituirá uma boa conversa, que é o meio mais acertado e eficaz de solucionar nossas questões, de realmente ajudar alguém ou ser ajudado.
Ao mesmo tempo, vem se tornando gradativamente menos usado ouvir e ver o outro pessoalmente, e principalmente tocá-lo, mesmo dentro de casa. Entre mensagens
pelas redes sociais, transmissões ao vivo, o que tem ficado de nós são
hologramas, imagens simultaneamente póstumas, como se não mais estivéssemos
vivos, apenas gravados.
Bauman resume bem estas relações ao dizer que o conectar físico, por meio do toque, do encontro de olhares de seus interlocutores não é mais apreciado, uma vez que exige um investimento de tempo imensamente escasso atualmente — e por isso mesmo precioso. Desse modo, trocar tantas conexões virtuais, vistas como bem mais interessantes, quase instantâneas, por apenas um dedo de prosa na vida real, parece desperdício. Sem contar que no mundo virtual, há muito, o sujeito tem ao seu alcance o afastamento prático e instantâneo de possíveis rejeições e inconveniências. Se não quer mais se conectar com tal pessoa, basta um clique e ela está excluída, sem a necessidade de justificativas.
Esse mesmo clique evita um
entrelaçamento mais denso, uma imersão maior uns com os outros, o que evita
igualmente uma dificuldade maior de se desvincular. Em contrapartida, além de
superficiais, estamos nos tornando supérfluos até para nós mesmos, visto que
não é mais preciso que nos conheçamos melhor, trabalhemos nossos
comportamentos, basta fingir ser, ou deletar quem não goste de nossas atitudes.
O que é perigoso demais, uma vez que nossa saúde mental, aos poucos, vai para o
ralo. Não fomos feitos para nos relacionarmos assim.
Será exagero dizer que o que poderia ser um facilitador
nos estudos, auxílio para preencher lacunas nas nossas interações familiares e profissionais, pode, um dia, terminar tomando nosso lugar? Será exagero dizer que as redes sociais anunciam nossa
extinção, porque como consequência do mau uso delas adoeceremos globalmente física e, sobretudo, mentalmente?
Não é demais insistir que nossos comportamentos midiáticos realizados por meio das redes sociais, muitas das vezes, não correspondem ao que realmente somos. São avatares, impressões do que achamos que somos ao passo que julgamos ser o que querem que sejamos. Talvez ali, mais do que na vida "real", dificilmente se tem a liberdade de ser o que realmente é.
E dessa forma nos tornarmos obsoletos para nós mesmos. Emergem doenças, como a síndrome do toque fantasma, que é a menos cruel delas. Você pode até não saber que doença é essa, mas ou já teve sinais dela ou conhece quem a teve.
Talvez por baixa autoestima ou
por falta de tempo, ou por ambas ss coisas e outros tantos fatores, estamos esquecendo de nós e nos baseando nos perfis que
criamos como se fossem nossas autênticas identidades.
Não é preciso ir longe para
evidenciar esses perfis. Dos meus mais de trezentos amigos no Facebook, convivo pessoalmente com pouco
menos de trinta deles. O que mais me chama a atenção é que há de fato uma
distância entre as publicações de uma parcela dos usuários, não só do Facebook,
e suas atitudes cotidianas, seja no âmbito político, familiar, profissional ou na vida íntima. Não estou aqui para julgar ninguém, até porque quem nunca, né? A
questão é que, aparentemente, esse novo eu virtual é mais relevante
para a vida desses usuários, esse eu virtual é que oferece o norte para suas vidas, aquilo
postado no perfil são traços de sua personalidade, como que o verdadeiro
comportamento, tornando o verdadeiro comportamento uma mentira.
O esconder de si para
ver o outro de si mesmo
Se o outro ver como realmente
sou, pode não gostar de mim. Esse pensamento antes do advento da internet era
concretizado por meio de estereótipos: o galanteador, o ricaço, o bonzinho, o
espertalhão, ou mesmo o tímido, mas embora mais duradouro, não se ia longe e o
final era sempre decepcionante. Descobria-se a verdadeira personalidade e o
impostor se via encurralado. Apesar de também acreditar piamente naquele seu
embuste e se convencer daquela mentira, o alcance era bem menor, ocupava menor
espaço e lugar. Hoje esse tipo de comportamento nas redes sociais tem uma
dimensão incalculável de abrangência. E o estrago na imagem é sem proporções.
Entretanto, ainda assim há aqueles que passam a vida a não ser o que é, e pior,
existem aqueles que jamais serão desmascarados, portanto sem a oportunidade de serem "curados". Ainda temos os que não se assumem e não se
revelam, em decorrência de tamanha inadaptação social na vida como mero mortal e crença de ser o que não são, mesmo quando flagrados em seus perfis fakes.
Aqui, cabe um parênteses. É preciso falar desses que vivem se contradizendo, apesar de todos saberem que o sujeito não condiz àquilo que por ele é exposto nas redes sociais. Possivelmente, não há só um desejo, um propósito de não ser quem se é (o menosprezo por si mesmo), há o objetivo de ser dois. Acredita-se, provavelmente, assim que é possível ser duplamente mais feliz ou menos infeliz ao escolher aquele individuo virtual para se relacionar por ele. Indivíduo que obtém likes, comentários efusivos, muitas vezes muito mais positivos do que negativos, está no batente. O outro é seu genial criador, verdadeiro merecedor dos louros. Eis onde entram as implicações, os motores de se manter seu perfil falso ou sua verdadeira identidade falsa, entram os motivos de não conseguir se desfazer dele.
Conflitos entre o perfil e
identidade
Sempre evitamos entrar em
contato com aquilo que desconhecemos — repudiamos — em nós mesmos. Seja algo
que tememos que volte à tona, seja algo que tememos fazer pela primeira vez e
prevemos que perderemos o controle ou julgamos não dar conta. Desse modo, investimos
numa imagem melhorada em comparação com aquilo que suponhamos ter de pior ou
pode vir a se tornar o pior de nós.
A diferença de dada época, há
uns vinte e poucos anos, por exemplo, e agora, é que lá o esforço era
tremendo para criar e manter essa imagem, uma vez que estávamos face a face com
nossos interlocutores. Por outro lado, se esse nosso algo vergonhoso aflorasse
o alcance era mínimo, a fofoca tinha alcance limitado em comparação com uma
mensagem ou vídeo por essas mídias. As pessoas logo esqueciam e a imagem se
esvanecia, não havia compartilhamento virtual que tornava perene o ocorrido.
Hoje, esconder se tornou
fácil. Esconder o que realmente se sente se tornou prático. Há ajuda de
filtros, programas de edição de imagem pipocam a cada dia. Pode se estar
passando por uma situação miserável psicologicamente e postar uma selfie
sorrindo com um fundo paradisíaco escolhido em dado aplicativo. O intuito é manter-se bem, a fim de fazer a manutenção de um status
avatar. É dessa forma que conseguimos ver o outro, um meio de estabelecer
relações para corresponder o que se julga ser esperado do outro, para não
sermos, ao menos, rejeitados. Pelo menos esse eu construído virtualmente não deve ser rejeitado.
A partir desse contexto, se
presume que estamos enganando a nós mesmos, ou melhor, nos imiscuindo no
autoengano. Dar uma definição que tem pouco ou nada a ver com a realidade recai
no autoengano, o que pode se desenrolar em um propósito de enganarmos os
outros. O autoengano, conforme defende Trivers (1971), apesar de não ocorrer de
maneira consciente, pode ter derivado do intenso aprimoramento de enganar a si
mesmo para detectar as atitudes daquele que tentava o enganar, uma luta entre
enganador e enganado.
Isso pode ser explicado pelas falsas memórias, ocorrência que se dá quando alguém se lembra de um fato, embora ele não tenha se sucedido. Aspectos advindos de experiências diversas podem combinar com o relato mentiroso do sujeito a ponto de se crer nesse relato como verdade. (Challies, Hunt, Garry, & Harper, 2011; Guinther & Dougher, 2010). Dessa forma, meu perfil se torna minha identidade no mundo virtual.
As implicações dessas relações no agora e no futuro
Ao levantar a hipótese, um
tanto quanto absurda, de estarmos desaparecendo poderia nos levar a crer que se
trataria simplesmente de um mal evitável e desnecessário ou necessário e
inevitável? Evitável e necessário. De todo modo, vamos caminhando para uma
conclusão inconclusiva.
Para algumas pessoas, a
realidade se torna tão esmagadora que a única saída é evitá-la ou subvertê-la,
seja com entorpecentes, medicamentos ou álcool. Não importa, a consequência é a
mesma: adoecer. A falta de habilidades para lidar com o outro e consigo mesmo
torna a realidade inviável, já que se perde o seu propósito que é se
relacionar, conviver, efetuar trocas.
Essas trocas são efetuadas por
meio das redes sociais, claro, pela facilidade, rapidez com que a conexão se
dá. Não há contato físico, porém há conexão. A questão é que, apesar da
inevitável incursão nos recursos tecnológicos e a difusão de informações, o seu
uso contínuo e frequente, leva a distúrbios. O ideal é aprender a lidar
com a realidade para melhor interagir com os recursos tecnológicos, sem
fuga/esquiva, de maneira saudável.
Por isso mesmo ainda há
chance, esperança, pois ainda temos a escolha de fazer bom uso do meio virtual.
Ele é necessário e pode ser — como é, ao saber usá-lo, — saudável.
E, claro, inevitável. Por outro lado, é preciso dizer para ele que ele nos
pertence, não nós pertencemos a ele.
Referências
Bauman, Zygmunt. 44 cartas do Mundo Líquido Moderno, ed, Zahar. (2011). Rio de Janeiro.
Challies, D. M., Hunt, M., Garry, M., & Harper, D. N. (2011). Whatever gave you that idea? False memories following equivalence training: a behavioral account of the misinformation effect. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 96(3), 343–62. doi:10.1901/jeab.2011.96-343
Guinther, P. M., & Dougher, M. J. (2010). Semantic false memories in the form of derived relational intrusions following training. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 93(3), 329–47. doi:10.1901/jeab.2010.93-329
Tobin, Stephanie J.; Vanman, Eric J.; Marnize Verreynne e Saeri, Alexander K. (2015) Ameaças de pertencer ao Facebook: à espreita e ao ostracismo, Social Influence, 10: 1, 31-42, DOI: 10.1080 / 15534510.2014.893924
Trivers, Robert L. The Evolution of Reciprocal Altruism. The Quarterly Review of Biology, Vol. 46, No. 1 (Mar., 1971), pp. 35-57 Published by: The University of Chicago. http://www.jstor.org/stable/2822435 .
Imagem: http://gcb.adv.br/falar-mal-trabalho-nas-redes-sociais-da-justa-causa/
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