A Velocidade do Tempo no Amor e na Dor

 

É uma tarde de sábado, e você está com aquela pessoa com quem tanto desejou. É um dos primeiros encontros, vocês assistem a um seriado enquanto trocam carícias. Quando caem em si mesmos, já se passaram muitas horas e nem perceberam. Pois é, como passa rápido o tempo nessas situações, não é?

Agora, depois de alguns meses, esse relacionamento termina. Você está com aquela sensação de vazio, de culpa, de raiva, cheio de reflexões, dúvidas e mais dúvidas. Uma delas é se aquele momento ruim nunca vai acabar, logo as horas se arrastam.

Uma outra pergunta, que talvez poucos façam, é sobre o motivo de a velocidade do tempo ser diferente para cada uma das situações descritas acima. E as respostas são muitas, entre elas a de que isso ocorre porque no amor queremos que o tempo pare, daí a impressão de que ele passa rápido. Já na dor, queremos que ele passe rápido, daí a impressão de que ele passa lentamente.

Essas respostas dão indícios do que acontece com a percepção do tempo no amor e na dor — de o perder —, porém, a fim de entender o que ocorre com nossa percepção do tempo, vamos analisar outras situações.

O sociólogo, Michael Flaherty, classificou seis categorias nas quais se tem a percepção de que o tempo passa devagar, o fez a partir da descrição de centenas de narrações de pessoas de todos os perfis.

Essas categorias vão do profundo sofrimento ou prazer, por exemplo, a tortura ou o êxtase sexual, logo nem toda vez o tempo transcorre velozmente no entretenimento. Passa pela violência e perigo, já que soldados relatam o tempo mais lento nos combates, e também pelos mais conhecidos a espera e o tédio, sendo mais perceptíveis ao se estar preso, porém quem fica no caixa e não tem quem atender, o percebe plenamente. As categorias ainda abrangem o estado de consciência alterado, como ao usar LSD, e os níveis de concentração e meditação —  meditar altera nossa percepção do tempo —  e por fim chega ao choque e a novidade, como quando estamos aprendendo uma habilidade complexa ou passando férias num lugar exótico.

Outro ponto, as situações não têm a mesma densidade. Se há muita coisa ocorrendo objetivamente, como no combate, a densidade é alta. Porém também é alta quando pouca coisa acontece, como no exemplo de se estar preso, isso porque preenchemos esse aparente vazio por meio de nossa subjetividade.

Estamos nos concentrando em nossas próprias ações ou ambiente, pensando em como nossas circunstâncias são estressantes ou mesmo obcecados com a lentidão com que o tempo parece estar passando (FLAHERTY, 2017).

Desse modo, o denominador comum para essa questão vem das situações que nos são pouco habituais, pois damos mais atenção a situações estranhas e isso aumenta a densidade de nossa experiência, o que consequentemente faz o parecer passar devagar.

Ao contrário, a densidade está baixa quando lidamos com atividades corriqueiras. Quando estamos as aprendendo, temos de prestar toda a nossa atenção, porém, passado um certo período, estamos mais desenvoltos nelas, o que nos exige menos atenção, como ao dirigir o carro pelo mesmo caminho todos os dias, isso faz com que tempo passe mais velozmente. Essa é a tarefa de rotinas, uma das condições gerais capazes de comprimir a percepção do tempo. A outra é a erosão da memória episódica, que se desgasta com o passar dos anos. A não ser pelas ocasiões marcantes, nossos dias são preenchidos por lembranças cotidianas que vão se dissipando pouco a pouco, dando a impressão de que o tempo passou velozmente.

Ades (2002) corrobora o estudo de Flaherty (2017) ao dizer que a densidade afeta nossa vivência subjetiva do tempo.

Um espaço de tempo homogêneo, vazio de acontecimentos, um intervalo em que algo está para acontecer, mas não acontece parecem durar muito mais do que de fato duram (ADES, 2002).

Entre outras ocasiões que podem ilustrar isso, se tem a fila em um banco e a espera de uma mensagem importante, mas aprofundemos um pouco.

Um provérbio inglês “a watched pot never boils”, diz que uma panela vigiada nunca chega a ferver. Para estimar a duração do tempo se deve levar em conta, porém, o ponto de vista no qual se encontra alguém, se sua atenção se volta para ele, no seu decorrer, se simplesmente vivenciando e posteriormente o avaliando. No julgamento prospectivo, você sabe que terá que observar se a panela vai ferver ou não durante determinado intervalo de tempo e avaliar a duração dessa experiência. Fatalmente o tempo de espera parecerá maior do que no julgamento retrospectivo, para quem não foi alertado sobre essa possível fervura num dado intervalo, o tempo não era importante e apenas se responderia sobre esse intervalo posteriormente.

Outros dados são relevantes como o de que trechos de uma conversa ouvidos por um minuto são avaliados como mais curtos se forem interessantes, uma expressão sorridente faz sorrir, enquanto a carrancuda freia o sorriso.

Assim sendo, no caso do amor, o tempo passa rapidamente porque, além de agradável, não prestamos atenção no que acontece, não há perigo ou tédio. Na dor de sua perda, por sua vez, encontramos o choque, o sofrimento, a espera, estamos atentos e sensíveis ao que nos acontece internamente e externamente, o que faz o tempo se arrastar.

Algumas intervenções podem ser feitas no caso de o tempo se arrastar por algo angustiante, doloroso. Os pensamentos negativos ou pensamentos automáticos disfuncionais que ficam nos rondando nesses momentos não devem ser julgados, deixe que eles venham e não avalie seus conteúdos, respire calmamente, se concentre em sua respiração, e não neles, quando eles vierem. Tal como, nesses instantes, deve se focar em algo externo. Olhe para algum móvel ao seu redor, o descreva para si mesmo. Tal como, tente a parada de pensamento. Dê um stop veemente neles, “grite” pare para eles.

Talvez isso ajude, porém se esses pensamentos são muito intensos e estão ligados a algo impossível de mudar, danos irreparáveis e são de longa data ou ainda derivam de uma depressão ou ansiedade graves (ou qualquer outro transtorno), é bom procurar ajuda especializada para trabalhar sua aceitação e a reestruturação cognitiva.

 Referências 

ADES, César. A Experiência Psicológica da Duração. Cienc. Cult. v.54 n.2 São Paulo. 2002. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252002000200023#:~:text=A%20dura%C3%A7%C3%A3o%20cont%C3%A9m%20os%20momentos,emocional%20afeta%20os%20ponteiros%20subjetivos. Acesso em 28 nov. 2020.

Texto originalmente publicado na Coleção Documentos, série Estudos sobre o tempo, fascículo1, do Instituto de Estudos Avançados da USP, em fevereiro de 1991. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n2/14806.pdf.

 FLAHERTY, Michael. (2017). Why Time Seems to Fly--or Trickle--By. The Conversation. Here is a link to the article: http://theconversation.com/why-time-seems-to-fly-or-trickle-by-70515 disponível em: https://www.researchgate.net/publication/312523783_Why_Time_Seems_to_Fly--or_Trickle--By. Acesso em 28 nov. 2020

Nota: As informações e sugestões contidas neste artigo têm caráter meramente informativo. Elas não substituem o aconselhamento e acompanhamentos de especialistas.

Imagem: Polêmica revista Eletrônica. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/26454/19015. Acesso: 28 nov 2020

 

Comentários

  1. Tem razão, esta é a percepção de muitos. Mas, fiquei curiosa para saber quais outras "coisas" ocorrem nestas situações. Quero ver.....até

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