Insônia: por que e como dormir melhor

 

Os casos de insônia aumentaram e muito nos últimos anos, mas ela não é recente, nem as tentativas de remediá-la. A incessante busca por uma medicação eficaz contra a insônia se iniciou ainda no final do século XIX. Apesar de causar muita expectativa, tais medicações ficaram abaixo de nossas necessidades, já que, ao longo do seu uso contínuo, perdem o efeito ou tornam as pessoas dependentes, como no caso dos benzodiazepínicos. Isso ocorre porque o cérebro se ajusta à medicação depois de um certo período, exigindo mais remédio.

Ele se ajusta à presença de substâncias estranhas, aumentando ou reduzindo a sensibilidade dos seus receptores químicos. É por isso que, após o uso contínuo, os medicamentos psicotrópicos – como os remédios para dormir – vão perdendo o efeito e começam a exigir doses cada vez mais altas. É por isso, também, que essas substâncias podem causar dependência: o cérebro se ajusta e passa a precisar delas para funcionar normalmente (Garattoni & Szklarz, 2020)

Ainda vale lembrar que a abstinência desses medicamentos pode causar tremores, ansiedade e a própria insônia.

Colocando de outra forma, ainda não há um remédio capaz de fazer dormir de forma satisfatória e sem efeitos colaterais ou prejuízos em longo prazo. O médico Nonato Rodrigues, professor da UnB e especialista em medicina do sono, afirma que o remédio não é a grande questão a respeito da insônia, sim a compreensão da insônia. Na opinião dele, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o método mais viável para tratar a insônia.  Esse processo terapêutico é realizado com um psicólogo e auxilia na obtenção de novas formas de pensar e sentir. O conjunto de publicações cientificas revela que a TCC, combinada com medicação durante certo período, é a escolha mais adequada (Garattoni &  Szklarz, 2020). 

Se Você Tem Insônia, Saiba Que Não Está Sozinho

Insônia ou mais precisamente Transtorno de Insônia, de acordo com o DSM-V (American Psychiatric Association, 2013), representa dificuldade para iniciar o sono (em crianças, pode se manifestar como dificuldade para iniciar o sono sem intervenção de cuidadores), dificuldade para manter o sono, que se caracteriza por despertares frequentes ou por problemas para retornar ao sono depois de cada despertar (em crianças, pode se manifestar como dificuldade para retornar ao sono sem intervenção de cuidadores), despertar antes do horário habitual com incapacidade de retornar ao sono, a perturbação do sono causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional, educacional, acadêmico, comportamental ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, as dificuldades relacionadas ao sono ocorrem pelo menos três noites por semanas, as dificuldades relacionadas ao sono permanecem durante pelo menos três meses, as dificuldades relacionadas ao sono ocorrem a despeito de oportunidades adequadas para dormir.

A insônia tem, gradativamente, ano após ano, abrangido mais pessoas, mas apesar da importância que lhe é dada, os estudos sobre sua prevalência são pouco realizados (Ferreira, 2015 apud OHAVON e REYNOLDS, 2009).

É bom ressaltar que há diferenças de percentuais dos números de casos quando se compara estudos feitos abarcando o país como um todo e estudos específicos, como em uma cidade grande, onde há maior exposição aos fatores predisponentes, precipitantes e perpetuadores da insônia. Ainda assim os números são preocupantes. Por exemplo, um estudo epidemiológico realizado na cidade de São Paulo, em 2011, verificou que 81% das pessoas pesquisadas relataram possuir algum problema ligado ao sono e 52,1% delas se queixaram de insônia (Ferreira apud SILVA et al., 2011).

Já, no final de abril e início de maio de 2020, um levantamento feito com 2007 pessoas pela Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico Covid-19 (Vigitel), revelou que 41,7% dos entrevistados relataram ter distúrbios do sono, entre eles dificuldade para dormir ou dormir mais do que habitualmente.

Mulheres sofrem mais de insônia

A neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono, explica que as mulheres sempre sofreram mais de insônia do que os homens, para cada duas mulheres, um homem apresenta insônia. O que piorou com o isolamento social, pois se percebe que, apesar de trabalharem em home office, são elas que têm que lidar com tarefas da casa e cuidar dos filhos. (FONTAINHA, 2020)

Outros fatores que afetam quantitativamente e qualitativamente o sono, independente da pandemia, são as funções da modernidade, extensos períodos diários de trabalho e de estudo, escalas rotativas e uma vida mais longa. Embora o sono não seja privilégio apenas dos seres humanos, não nos basta repousar sem dormir, pois isso não nos oferece uma reparação do corpo e mente como se tivesse dormido bem. Um terço de nossas vidas é destinada a dormir, um quarto dela a sonhar ativamente. Pode ser fatal sermos privados disso, que seja por poucos dias (MENEGOTTO et al., 2010). 

Quais os problemas de dormir mal?

Dormir mal nos traz prejuízos em diversas áreas, que vão desde econômicas às de saúde, ou seja, incrementam hospitalizações, ausências no trabalho, maior probabilidade de se envolver em acidente de trânsito e de desencadear um distúrbio mental.

Alguns autores compararam jovens com o sono normal e jovens que dormiam mal. Entre os que dormiam mal havia, entre outros aspectos, mais casos de depressão, ansiedade, instabilidade emocional, uso de álcool e outras drogas, fadiga e até tentativa de suicídio.

Em estudo semelhante, pesquisadores encontraram relatos de saúde precária, menos energia e pior funcionamento cognitivo entre portadores de distúrbios do sono quando comparados a pessoas com sono normal. Em geral, os estudos têm encontrado associação dos distúrbios do sono com problemas de saúde, funcionamento diário e bem-estar. (ROTH et al.,2002, p. 5)

Alternativas não farmacológicas para a insônia

Terapia cognitiva

O objetivo da terapia cognitiva é eliminar as crenças e as atitudes errôneas relacionadas ao sono. Alguns sintomas e queixas de sono são alvos da terapia cognitiva, entre eles:

1) uma falsa expectativa do tempo necessário de sono (“Eu não consigo dormir as oito horas de sono que são necessárias para o meu bem-estar...”);

2) uma concepção inadequada das causas da insônia (“Minha insônia é a consequência de um desequilíbrio químico...”);

3) a amplificação das suas consequências (“Eu não consigo fazer nada após uma má noite de sono...”).

Terapia do Controle de Estímulos

A terapia do controle de estímulos é baseada na premissa de que a insônia é uma resposta condicionada aos fatores temporais (tempo despendido na cama) e ambientais (quarto de dormir/cama) relacionados com o sono. Sendo assim, o seu principal objetivo é treinar o insone a reassociar o quarto de dormir e a cama com um rápido início do sono. Para isto, deve-se abreviar as atividades incompatíveis com o sono (observáveis e camufladas) utilizadas como dicas para permanecer acordado, além de planejar um consistente ciclo vigília-sono.

Terapia de restrição do sono

A terapia de restrição do sono consiste na redução do tempo despendido na cama de modo a que este se aproxime do tempo total de sono. Por exemplo, se o insone relata que dorme uma média de cinco horas e permanece na cama por oito horas, a recomendação inicial é reduzir o tempo despendido na cama para cinco horas. Se a eficiência do sono (razão entre o tempo despendido na cama e o tempo total de sono multiplicado por 100) for menor que 90%, deve ser realizada uma redução semanal de 15-20 minutos no tempo despendido na cama, até que seja alcançada uma eficiência de sono de 90%. A partir disto, devem ser aumentados os mesmos 15-20 minutos por semana até que o tempo total de sono suficiente seja alcançado.

Para prevenir uma sonolência diurna excessiva, recomenda-se que o tempo despendido na cama à noite não seja inferior a cinco horas.

Terapia de relaxamento

As intervenções baseadas no relaxamento foram estabelecidas a partir da observação de que, frequentemente, os pacientes com insônia relatam um alto estado de alerta (fisiológico e cognitivo), tanto durante a noite como durante o dia. Os tipos de relaxamento mais comuns são o relaxamento muscular progressivo e o biofeedback. O primeiro consiste em tencionar e relaxar diferentes grupos musculares de todo o corpo, visando uma diminuição do alerta fisiológico (tensão muscular); já o segundo é uma técnica que utiliza estímulos visuais (imagens confortáveis ou neutras) e/ou auditivos (músicas) para desfocar a atenção do paciente.

Terapia de intenção paradoxal

Este método consiste em convencer o paciente a encarar o seu mais temido comportamento (ex: ficar acordado durante a noite). Assim, se o paciente deixar de tentar dormir e insistir em ficar acordado, o estado de ansiedade pré-sono vai ser reduzido e o início do sono pode ser atingido mais facilmente. Este procedimento pode ser considerado como uma forma de reestruturar a cognição para reduzir o estado de ansiedade e assim induzir ao sono.

Fototerapia

O objetivo da fototerapia é aumentar o estado de alerta do paciente por intermédio de um estímulo luminoso, o qual consiste em posicionar uma caixa de luz ao nível dos olhos, a uma distância de aproximadamente 90 cm. A potência da luz pode variar entre 2.500 e 10.000 lux e, dependendo da potência da luz, o tempo de exposição pode variar de 30 minutos a duas horas. O horário em que deve ser realizada depende da intenção da terapia.

Higiene do sono

A higiene do sono é um método que visa educar os hábitos relacionados à saúde (ex: a dieta, o exercício físico e o uso de sustâncias de abuso) e ao comportamento (ex: a luz, os barulhos, a temperatura e o colchão) que sejam benéficos ou prejudiciais ao sono. As recomendações da higiene do sono incluem:

1) usar o quarto e a cama somente para dormir e praticar atividade sexual;

2) evitar o barulho (com tampão de ouvido), a luz (cortinas nas janelas) e a temperatura excessiva (cobertor/ar-condicionado) durante o período do sono;

3) evitar, entre outras, a cafeína, a nicotina e as bebidas alcoólicas nas últimas 4-6 horas que antecedem o sono.

Exercício físico

A prática regular de exercícios físicos, entre outras terapias, é sugerida para melhorar a qualidade do sono, embora o tipo, a intensidade e a duração do exercício ainda não estejam bem definidos. Em uma recente revisão, Youngstedt ressaltou a necessidade de novas pesquisas que avaliem a influência do exercício físico sistematizado na qualidade do sono dos insones (PASSOS et al., 2007, p. 2-3).

 Nota: Esse artigo de forma alguma substitui a consulta com um profissional especializado qualificado.

Referências 

FERREIRA Luciana Alves. Psicoeducação Como Estratégia De Higiene Do Sono Em Uma Unidade Básica De Saúde. Fundação Educacional do Munícipio de Assis, 2015.

 FONTAINHA, Fabiana. Insônia, Ansiedade e Depressão na Pandemia. Revista Sono, 2020.

 GARATTONI, Bruno; SZKLARZ Eduardo. Os perigos dos remédios para dormir. Revista Superinteressante. Ed. Abril, 2020. Disponível em: https://super.abril.com.br/?s=os+perigos+dos+rem%C3%A9dios+para+dormir&orderby=date. Acesso 21 dez 2020

 MÜLLER, Mônica Rocha. GUIMARÃES, Suely Sales. Impacto Dos Transtornos Do Sono Sobre O Funcionamento Diário E A Qualidade De Vida. Campinas, 2007.

 PASSOS Giselle Soares; TUFIK Sérgio; SANTANA Marcos Gonçalves de; POYARES Dalva,1,4 MELLO Marco Túlio de. Tratamento Não Farmacológico Para A Insônia Crônica. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2007.

 Imagem: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53126-cinco-dicas-para-evitar-a-insonia


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