Um Professor, Um Aluno com sua Família e Problemas

    


    Imagine que há na sala de aula um aluno diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista) de alto funcionamento, que passou por algumas escolas e que está cansado de trocar de instituição de ensino.
    Para entendermos um pouco mais esse aluno, os autores Consolini, Lopes e Lopes (2015) frisam que, segundo a American Psychiatric Association (APA, 2014), uma minoria das pessoas com TEA são capazes de trabalhar e serem autônomos quando adultos. Elas são denominadas de TEA de alto funcionamento (TEA-AF). O fator mais importante no diagnóstico de TEA-AF, é o funcionamento intelectual, já que a linguagem e as aptidões intelectuais desses pacientes são elevadas, o que possibilita sua autonomia. Apesar disso, ainda que as perdas sejam menores, eles podem desenvolver ansiedade e depressão.
    Desse modo é necessário verificar as habilidades verbais da criança indispensáveis para a aliança terapêutica para expressar pensamentos e sentimentos. Também sua habilidade para identificar emoções e poder refletir sobre si mesma.
    Dando sequência, acrescentemos ao caso hipotético, que o professor vai do receio ao indiferente diante da nova situação. Passado algum tempo, o psicólogo identifica uma baixa autoestima nesse professor.  O que é a baixa autoestima, como ela pode surgir?
    Se uma pessoa recebe elogios, por exemplo, ela tende a ter sensações agradáveis, se sente valorizada, competente. Se recebe críticas, punições, possivelmente perceberá reações adversas de seu corpo, pode se sentir incompetente (SKINNER, 1991) 
    Em suma, ela poderá desenvolver uma baixa estima por si mesma, um dos meios para elevar a autoestima novamente é fazê-la reconhecer que a questão das críticas e punições pode ser muito mais um problema dos outros do que dela. E se houver algum aspecto que esteja relacionado a um problema dela, há como modificá-lo.
    Por fim, a família não coopera com o aluno-filho, pois acha que ele não tem problema algum, apesar do laudo, das evidências no relacionar com esse filho.
    Conclusão: o aluno quer e precisa se incluir à turma, o professor precisa mudar seu modo de pensar e agir e a família precisa fazer sua parte. E agora?
    E agora resta apenas trabalhar, e muito, com quem primeiramente nos permite trabalhar, no caso, o aluno, uma vez que a professora e os pais ainda estão relutantes.
    Muito bem, suponhamos que após um início atribulado, esse aluno se engaja na terapia e consegue compreender como se interagir melhor com os colegas (e vice-versa) reconhecer seus limites e habilidades por meio da troca dos pensamentos automáticos disfuncionais, distorcidos que tinha sobre si mesmo, o mundo e o futuro por pensamentos mais racionais, além de a aceitação daquilo que não podia ser trocado, ou melhor, modificado. Por meio de recompensas, ele já consegue controlar seus impulsos, por exemplo, se durante toda a aula não desobedecer à professora, além de ser elogiado pelo bom comportamento, ele poderá passar mais 15 minutos jogando videogame nesse dia. Dessa forma, a tendência é a de que passe se sentir mais capaz, menos ansioso.
    Por sua vez, a professora pode começar a mudança a partir de um questionamento simples do psicólogo: ela diz que não dá conta desse aluno, e a pedido do psicólogo examina sua ansiedade em relação ao caso, conclui que ela está no nível 10. Pergunta-se o que ela tentou para ter certeza de não dar conta? Ela diz que nada, basta olhar para o seu passado. Insiste-se se ela realmente não faz, não fez nada de bom. Ela devolve que talvez, mas muito pouco. Pode se trazer de volta algum feito no passado que ela tenha citado anteriormente. Por exemplo de que é boa em lidar com o projetor. Ela pode insistir e dizer que há pessoas melhores. E então se deve perseverar em questionar como ela aprendeu a lidar com o projetor. Ela poderá responder simplesmente que aprendeu mexendo. Indaga-se se ela por acaso testou o que dava e não dava certo, fez ajustes até ficar boa naquilo. Ela diz que sim. Daí se questiona por que teria de ser diferente com seu aluno. Ela retruca que se trata de uma criança. Devolve-se sobre o que poderia ser feito por se tratar de uma criança. Ela pode demorar a responder que uma das coisas a serem feitas é ter mais cuidado, pedir orientação. Então se pergunta como ela se sentiria depois de tomar essas medidas. Ela provavelmente dirá que se sentiria mais segura para começar. Por fim viria a indagação se ela quer tentar. A resposta tenderá a ser positiva.
    Após mais algumas sessões com orientações sobre como modificar seus pensamentos automáticos disfuncionais, ela começa a aceitar e acreditar mais nos elogios que lhe fazem. Aceita a cuidar mais de si, a prestar menos atenção nos seus pensamentos de autocrítica e de extrema responsabilidade, além de manejar seu perfeccionismo no trabalho, perguntando à diretora se seu projeto está bom já naquela determinada etapa. Se a diretora disser que sim, ela então não trabalharia mais nele como fazia antes de quase entrar em depressão devido a sua baixa autoestima. 
    Ao mesmo tempo, com a família, é examinado os aspectos relacionados à manutenção daquele tipo de conduta quanto ao filho, quanto a negarem o fato de ele ser autista, as vantagens e desvantagens de manter esse comportamento de negação para eles, a família como um todo e, principalmente, para o filho. 
    A resistência ainda dura algumas sessões, porém devido aos bons resultados do filho e a dedicação da professora agora, os pais –  principalmente o pai – vêm que o filho pode ter uma vida “boa”, embora diferente da que esse pai sonhara para esse filho e que o fazia se sentir diminuído ao compará-lo com os alunos, meninos “normais”. Em suma, o casal começa a interagir mais com o filho. Em dado momento, o sentimento de culpa do pai começa a dar lugar ao afeto. 
    Aqui, contextualizei apenas um pouco do trabalho do psicólogo, mas toda a equipe, que pode ser composta por fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, neuropsicopedagogo, entre outros profissionais, deve colaborar. E, claro, a intervenção dever abranger sistematicamente o aluno, sua família e a escola.
        
    Referências

SKINNER, B. F. Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP. Ed. Papirus,1991.

CONSOLINI, Marília; LOPES Ederaldo José; LOPES Renata Ferrarez Fernandes. Terapia Cognitivo-comportamental no Espectro Autista de Alto Funcionamento: Revisão Integrativa. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 1, n.15, 2015. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872019000100007. Acesso em 15 de nov de 2020.

SILVA, Antônio Isidro da; MARINHO, Geison Isidro. Auto-Estima e Relações Afetivas. Universitas Ciências da Saúde, v.01 n.02. Brasília DF, 2003. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/cienciasaude/article/view/507/0. Acesso em 12 de nov de 2020.

Imagem: Colégio Ateneu. disponível em: https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk03Und3BBdQaoy8i1qaQJ-iE_4dA4A:1604531277751&source=univ&tbm=isch&q=imagens+de+escola&sa=X&ved=2ahUKEwjfgN3mgOrsAhV3FbkGHei5AY0Q7Al6BAgKEE4&biw=999&bih=580#imgrc=FZE3nko5f-kW3. acesso em: 04  nov de 2020.

Comentários

  1. Este tema é bastante complexo. Creio que, um ponto importante para desenvolver um bom trabalho com um aluno TEA, deve ser o professor estar aberto à novas aprendizagens e em constante aperfeiçoamento, pois cada aluno tem as suas especificidades. Em relação a família, muitas vezes, num primeiro momento, pode ser difícil aceitar o diagnóstico e, dificuldades virão por não saber lidar com a nova situação. Um acompanhamento multidisciplinar, que dê suporte a criança e orientações a essa família é fundamental. Acredito que a intervenção adequada de cada envolvido no processo de acompanhamento ao estudante, trará ótimos resultados para seu desenvolvimento e qualidade de vida para todos.

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