O Aluno e a Solução Nossa de Cada Dia

    

Nesse terceiro texto sobre o processo de aprendizagem, vou falar de possíveis intervenções para o aluno ansioso. Falarei, mais precisamente, um pouco sobre o transtorno de ansiedade social.

Ele não conversa em sala de aula, faz tudo em silêncio e nunca rebate o que o professor propõe. É o aluno perfeito, não é mesmo? Será? É preciso cautela quando se presencia casos assim. Alguns daqueles que se encaixam nesse tipo de comportamento passivo, posteriormente apresentam problemas, como desinteresse pela aula, baixo rendimento, agressividade e, por fim, abandono da escola.

Uma vez apresentados os problemas, o que o professor pode fazer? Primeiramente, comparar como era esse aluno antes dessa situação problemática com o agora, quando e como começou. Ficar atento aos sinais, sintomas, se é ocasional ou habitual.  Suponhamos que, apesar dos pesares, ele ouve e enxerga bem e tem boa compreensão dos conteúdos. Isso é indício de um bom prognóstico.

De todo modo, o quanto antes, é bom pedir ajuda à coordenação, reunir-se com, entre outros profissionais, o orientador, psicopedagogo, neuropsicopedagogo e familiares. Sim, familiares, pois, como está esse aluno em casa e como está essa família?

Uma a uma, com o auxílio da equipe envolvida no caso, vão sendo excluídas proposições quanto ao transtorno ou à dificuldade de aprendizagem.

Autismo? Após algum bom tempo, se eliminou essa hipótese também, pois, entre outras coisas, esse aluno não possui anormalidades no contato visual e na linguagem corporal ou déficits na compreensão e no uso de gestos. Tal como, as expressões faciais e a comunicação não verbal estão presentes.  Além do mais, ele entende bem as instruções, declarações ou perguntas ainda que complexas. Sobretudo não há medo de algo real, como, por exemplo, estar sofrendo bullying, há sim, um medo desproporcional à ameaça real, como errar ao ler em voz alta e rirem dele, só para dar um exemplo.

Assim sendo, se chega ao diagnóstico de que esse aluno esteja passando por uma fase de grande ansiedade, que já dura mais de longos seis meses. Persiste um medo ou ansiedade marcantes ou intensos de situações sociais nas quais ele possa ser avaliado pelos outros, seja na escola, em casa ou no lazer, o que, como já disse, pode trazer consequências ainda maiores mais adiante.

 Investigando um pouco mais, vemos que esse aluno pode não tirar suas dúvidas por medo excessivo de críticas dos demais alunos ou do professor, ter uma grande exigência consigo mesmo, o que, consequentemente, pode estar o levando a ficar desmotivado ou mesmo displicente para realizar tarefas.

Se ele evita ler em voz alta por medo de tropeçar nas palavras, pode ser pior o forçar. Saiba que para o ansioso, a primeira coisa que vem em mente é o pensamento automático de: não vou dar conta. Na verdade, ao forçar e ele não conseguir ler, pode o induzir a ficar com raiva de si mesmo e dos outros por não conseguir se comunicar em sala como gostaria. Pode levar esse aluno a ficar agressivo e a utilizar o não fazer atividades como meio subentendido de pedir ajuda, uma demonstração silenciosa de que algo vai mal. Só que, insisto, se não houver intervenção, isso pode piorar e haver faltas e até a desistência definitiva da escola.

Diagnosticado de fato um transtorno de ansiedade social, o próximo passo é a intervenção psicológica, embora toda a equipe tenha de trabalhar em prol desse aluno. Mas o que o psicólogo cognitivo-comportamental pode fazer?

Em primeiro lugar, diversas pesquisas revelam que o pensamento automático do sujeito ansioso se fundamenta na ampliação do risco nas situações, diminuição das avaliações quanto a ele ser capaz de encarar a ocasião, previsões catastróficas de consequências danosas daquela ocasião.

Desse modo, é necessário buscar pensamentos alternativos mais racionais. Identificar pensamentos do tipo “não vou dar conta de ler”, “vão rir de mim porque não entendi uma coisa tão boba”. E, claro, buscar aquilo que ele gosta ou gostava de fazer, faz ou fazia bem. Explorar ou reativar suas habilidades vai melhorar a estima por si mesmo e ajudar a enfrentar seus medos.

Fazer uso do questionamento socrático sempre, como por exemplo: perguntar e tirar a dúvida vai o fazer se sair melhor ou pior nos estudos? Alguma vez esse aluno teve a necessidade de perguntar e não fez isso, mas um colega o fez? Talvez sim. E o colega é burro por isso? Claro que não. Riram desse colega? Provavelmente não. Por que ririam exatamente na vez dele?

Ensaiar durante a sessão que ele, imaginariamente (exposição no imaginário), aproveite a ocasião da pergunta de alguém para fazer alguma outra sobre algo que esteja com dúvida. E se rirem dele, o que de pior pode acontecer? Ele diz que irá chorar, desmaiar. O que ele poderia fazer em vez de chorar ou ficar nervoso a ponto de “desmaiar”. Se ele diz que não sabe, é hora de ensiná-lo a respirar melhor por meio dessa situação imaginária que lhe cause ansiedade, ensinar a treinar a respiração. Ou lidar com a situação com bom humor. Conseguiria ele rir também da ocasião ao invés de ficar nervoso diante dos risos?

Buscar evidências do quanto esse pensamento de rirem dele é real, e verificar sua ansiedade, de zero a cem, diante desse pensamento. Procurar alternativas e ver o quanto sua ansiedade reduz diante desses novos pensamentos mais racionais, tipo: na verdade, meus colegas não ririam de mim, na realidade, eles até aproveitam para fazer mais perguntas nessas situações. E se rirem, acho que, treinando, posso rir também, pois para mim é importante tirar a dúvida, assim como para aquele outro colega era importante tirar a dúvida sobre outra coisa.

Em suma, essas são apenas algumas dicas de intervenções, e obviamente as coisas não ocorrem de maneira tão simples, na realidade é bem trabalhoso, mas a possibilidade de mudança é enorme.

 

Referências

Associação Americana de Psiquiatria. Diagnóstico e Estatístico manual de Transtornos Mentais. 5 ª ed. 2014.

WRIGHT, Jesse H; BASCO, Monica R; THASE, Michael E. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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